quarta-feira, 23 de maio de 2007

O menino de rua da minha rua

No outro dia ouvi uma menina da minha rua contar a uma amiga sua uma história. E gostei tanto que pensei que tinha que contar a alguém. Querem ouvir o que ela contou à sua amiga?

Pois então… Isto foi o que ela contou à sua amiga:

Lá na minha rua tem um menino que é da rua. Pelo menos foi o que o meu pai me explicou. Quando eu lhe perguntei porque era o menino menino da rua, ele explicou que o menino era da rua porque vivia na rua. E então eu perguntei se então eu era também menina da rua porque também vivia naquela rua. Mas o meu pai explicou que aquele menino era especial, era da rua não só porque vivia na rua, mas porque podia escolher em que rua vivia.

Sabes o que pensei? Que o pai do menino tinha tanto dinheiro que tinha comprado várias ruas e o menino podia morar em qualquer das casas dessas ruas. Mas o meu pai riu. Disse que não, que o menino podia escolher em que rua dormir, mas que não tinha casa onde viver, então tinha que dormir na rua mesmo. Eu fiquei triste, sabes? Se ele dorme na rua, deve fazer um frio. Às vezes a janela da cozinha fica aberta e o vento sopra até ao meu quarto. Eu sinto um frio… O meu pai explicou que sim, que provavelmente o menino de rua sentia frio, mas que se ele escolhesse um bom sítio para dormir sentiria menos frio.

Então eu perguntei quais eram os bons sítios que o menino de rua podia escolher. E o meu pai disse que podia dormir perto de um muro, que o protegesse do vento; numa casa abandonada, que o protegesse da chuva; ou junto com outros meninos de rua, porque assim podiam aquecer-se se dormissem encostadinhos uns aos outros.

Fiquei mais descansada. O meninos de rua são muito espertos, sabes? Foi o meu pai que me disse. Mas não de notas na escola. Porque eu perguntei e o meu pai disse que eles não vão à escola. Que a escola deles é a rua e a vida. Mas a vida não é uma professora. Eu ainda não sei quem ela é, mas o meu pai diz que mais tarde eu vou perceber.

E depois eu perguntei ao meu pai se os pais do menino de rua viviam na rua também. E sabes que me disse o meu pai? Que o menino de rua não tinha pais. E eu fiquei triste outra vez. E perguntei quem era que contava as histórias ao menino de rua antes de ele dormir. E o meu pai explicou que o menino de rua contava histórias a si próprio. Histórias felizes que lhe fizessem esquecer o frio e a fome.
‘A fome?’ Perguntei eu. ‘O menino da rua não come?’

E o meu pai respondeu que às vezes come, mas muitas vezes não come. ‘Não costumas ver ele a procurar comida no caixote do lixo?’ Perguntou o meu pai.
‘Eu vejo ele no caixote de lixo’ disse eu, ‘mas penso sempre que está a procura da bola de futebol dele. Ele está sempre a rir e jogar futebol com a bola de sacos de plástico que ele mesmo fez. Mas às vezes chuta muito alto e muito longe e não sabe onde vai parar. E tem que ir procurar por ela.

Então eu perguntei ao meu pai porque não ia o menino comprar comida no mercado, como a mãe fazia todas semanas ou na mercearia lá da rua. E o meu pai disse que o menino não tinha dinheiro para comprar comida, tinha que pedir às pessoas que lhe dessem comida ou uma moeda para comprar pão.

‘Porque não tem pais para lhe darem pão e leitinho ao matabicho?’ Peruntei ao meu pai. E ele respondeu que sim, que sem pais ele tinha que arranjar o seu pão sozinho. E se não encontra pão, tem que ir ver se alguém deitou no lixo.

‘Lembras-te de como ele costuma me pedir: ‘dá mil, tio!’?’ Perguntou-me o meu pai. E eu já tinha ouvido ele pedir mesmo.

'Mas então', pensei eu, 'se o meu pai é tio dele, então ele é meu primo, né?' Perguntei ao meu pai. Os meus primos sempre vêm comer lá a casa. E se este primo não tem pais, entao poderia vir viver conosco. Mas ele disse que ele era tio do menino de rua da mesma forma que a tia da escolinha é nossa tia. Não vamos comer na casa da tia, nem brincar lá, só encontramos com ela na escolinha. Se calhar como a rua é a escola dele todos os adultos são tios dele. Ele também trata o senhor da mercearia por tio, descobri no outro dia. Mas ao senhor da mercearia ele não pede dinheiro nem pão. Ele ajuda a carregar as caixas e o senhor da mercearia dá-lhe umas moedas em troca. Ou comida. Eu já vi.

Mas às vezes quando ele quer ajudar as senhoras que compram na loja a carregar os sacos delas, algumas gritam com ele e chamam a ele de ladrão. Eu perguntei ao meu pai porquê e ele disse-me que às vezes há uns meninos de rua que são maus e levam as coisas das pessoas. E que essas senhoras não conhecem o nosso menino de rua e não sabem se ele é ou não como esses outros meninos de rua maus. Eu espero que esses meninos de rua maus não conhecam a minha rua e não venham viver na minha rua, porque eu gosto do nosso menino de rua. Agora quando venho para a escola peco à mae para preparar um pão para mim e outro para o meu primo de rua.

No fim a menina perguntou à amiga:

Na tua rua também tem um menino de rua?

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